Fotografias que valem milhões

Fotografias que valem milhões

Paixão ou arte, já não interessa: a fotografia é um investimento. E, claro, depende de quem é o dedo que carregou no botão da máquina fotográfica.  

Parece fácil: qualquer um pode pegar numa máquina fotográfica e carregar no botão. Mas quando quem o faz tem nome no mercado e em mente um projeto artístico, o valor é completamente diferente. Porque não há dúvidas: a fotografia está consolidada como investimento em arte. Há duas semanas, uma imagem de Ansel Adams bateu o recorde de preço e foi leiloada por 722.500 dólares.
No mesmo evento, um auto-retrato de Andy Warhol de olhos fechados foi adquirido por 254.500 dólares. Nesta altura do campeonato, o jogo não é para amadores. Portugal já abriu os olhos para este mercado e começou a investir. À sua dimensão, mas a sério e com relevância.
Mais de 700 obras, cerca de 200 autores, de 32 nacionalidades, 75 artistas portugueses e uma avaliação total não revelada. Este é o retrato possível, mas algo desfocado, da maior coleção de fotografia artística contemporânea existente em Portugal. Em causa está o projeto BES ART e a correspondente coleção do grupo financeiro, considerada uma das mais importantes da Europa na sua área. A coleção arrancou em 2004 e, nos primeiros anos de construção, o ritmo de aquisições era simplesmente impressionante: uma obra a cada dois dias.
A equipa de Alexandra Pinho, diretora do BES ART e curadora da coleção, está permanentemente atenta à valorização das obras. Tem as contas feitas, sabe quanto subiu ou desceu a cotação de cada peça adquirida. Há peças de Helena Almeida que já valem mais 260% do que no momento em que foram adquiridas. O valor de uma obra de John Baldessari dobrou em cerca de cinco anos. Um trabalho de Cindy Sherman vale mais 300% no mesmo período.
Há quem garanta, embora a responsável não queira avançar com qualquer valor, que o BES investe cerca de um milhão de euros anualmente em novas aquisições. Só em artistas contemporâneos, vivos, dos 20 aos 90 anos, preferencialmente com trabalhos posteriores ao ano 2000. E, embora até hoje esta tenha sido uma coleção de acumulação - ainda nenhuma peça foi vendida -, o valor monetário é uma das faces da moeda mais relevantes quando se trata de colecionismo.

Coleções e peças emprestadas a museus 


A mãe migrante, de Dorothea 
Lange
A mãe migrante, de Dorothea Lange

A outra face deste investimento é o prestígio. Mais difícil de avaliar, mas certamente igualmente rentável, este aspeto é um dos motores que leva cada vez mais grupos económicos a envolverem-se com coleções de arte. E a fotografia foi sendo cada vez mais escolhida como foco das coleções institucionais por, tradicionalmente, ser mais barata do que a pintura ou a escultura.
O objetivo da coleção do BES é promover "o olhar mais abrangente possível sobre o século XXI", explica Alexandra Pinho. Sublinha ainda que "o acervo é para ser visto por clientes, trabalhadores. Não está fechado nos gabinetes e não visa a decoração". Atualmente, há, por exemplo, peças emprestadas a museus dos Estados Unidos, Itália ou Espanha, o que amplia a divulgação do nome do grupo, internacionalizando a sua imagem, associada a um bem de prestígio.
Do amor ao profissionalismo. Alexandra Pinho sempre gostou de fotografia. Na verdade, o gosto era partilhado com o marido, Manuel Pinho, ministro da Economia no primeiro Governo de José Sócrates. O casal não colecionava, mas comprava alguns trabalhos. Aos poucos, Alexandra foi-se embrenhando no mundo da fotografia artística contemporânea. Fez cursos, estudou, embora nunca tenha feito uma fotografia da sua autoria. O seu aconselhamento começou a ser solicitado pelo Grupo Espírito Santo, onde o marido já trabalhou, e acabou por se transformar na diretora do BES ART. A primeira obra adquirida foi uma caixa de luz de Jeff Wall, definindo a orientação a ser seguida pela coleção.

Fundações e críticos de arte 


Fotografia sem título de Edgar
 Martins
Fotografia sem título de Edgar Martins

Para além do BES ART, há outras importantes coleções, como a da Culturgest, do Museu Berardo ou da Fundação Serralves. Mas, de forma consistente, embora de menor dimensão do que o Grupo Espírito Santo, quem também decidiu apostar na fotografia foi a sociedade de advogados PLMJ, tendo mesmo criado uma fundação e aberto um espaço associados ao projeto.
Miguel Amado é o curador desta coleção, que começou baseada na paixão de Luís Sáragga Leal pela arte, cuja origem remonta ao início da década de 70. Consciente de que era um amador naquele negócio, Sáragga Leal foi buscar o apoio do crítico de arte Miguel Amado, estabelecendo com ele uma espécie de parceria na seleção das obras para o desenvolvimento da coleção da Fundação PLMJ.
A linha de orientação aponta para peças posteriores ao 25 de Abril, com uma cada vez maior aposta na arte contemporânea, inclusive vídeos. A filosofia de compras é de duas ou três obras de cada autor, ampliando assim o leque de artistas. Atualmente, a coleção terá mais de cem autores, sobretudo jovens, o investimento fundamental de Miguel Amado. "O fim desta coleção é ela mesma, ou seja, não visa o retorno financeiro, mas sim o retorno cultural. A nossa vocação não é criar valor financeiro, mas o desenvolvimento de carreiras", explica o comissário e crítico de arte.
"Andamos à frente", afirma Miguel Amado, que recorda, por exemplo, a descoberta da dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva na Galeria Zé dos Bois e que vieram mais tarde a representar Portugal numa Bienal de Veneza. "A primeira peça deles que comprámos custou cerca de mil euros, atualmente valerá entre seis e sete mil", afirma o curador da coleção PLMJ. Em resumo, a opção é: mais autores, mais jovens e mais baratos.
Mas também aqui o prestígio é um retorno importante do investimento. Anualmente, a fundação prepara um livro com obras da coleção de arte que é distribuído como prenda de fim de ano para os clientes da sociedade de advogados.
Certo é que o mercado da fotografia atraiu definitivamente os olhares dos investidores, tendo passado por uma inflação dos valores transacionados há cerca de seis anos, quando os chineses e os russos começaram a comprar arte contemporânea de forma mais intensiva. Com a crise, o fervor abrandou e o preço de artistas a meio da carreira baixou.
Os consagrados continuaram a ser transacionados a valores altos, mas houve carreiras que se estavam a desenvolver e que terão ficado pelo caminho. O mercado dá, assim, sinais contraditórios, porque, entre os especialistas, ninguém nega que há cada vez mais ponderação por parte dos investidores antes de realizarem uma compra.

Fotografias a partir de 4 mil euros


O encapuçado, de João Maria 
Gusmão e Pedro Paiva
O encapuçado, de João Maria Gusmão e Pedro Paiva

Esta é a opinião de Manuel Santos, diretor da Galeria Filomena Soares, fundada em 1999, e entre os artistas que representa tem nomes consagrados como o de Helena Almeida. "A crise começou a ser sentida no segundo semestre de 2008, mas, surpreendentemente, 2009 acabou por ser melhor do que o esperado. Este ano, contudo, está a registar fortes consequências da crise." Os primeiros três meses de 2010 terão registado uma quebra de cerca de 10% na faturação desta galeria.
Nestas alturas, a saída é o mercado internacional, onde os artistas portugueses se tornam cada vez mais conhecidos. Manuel Santos destaca ainda o papel dos novos e pequenos colecionadores: profissionais liberais que adquirem fotografias para ter em casa. Pessoas que compram obras desde os quatro mil euros. As galerias também se adaptam a estes novos compradores, adotando estratégias de pagamento mais flexíveis.
Mas há quem pense de forma distinta. Para Andrea Baginski, por exemplo, "o mercado de fotografia em Portugal tem crescido constantemente". Proprietária da Galeria Baginski, inaugurada em 2002, a maior quebra foi sentida por esta responsável em 2009, sendo este já um ano de recuperação. A aposta atual, segundo Andrea, "são os artistas portugueses com uma atuação internacional mais forte".
Um dos pioneiros no desenvolvimento de um olhar especializado sobre a fotografia em Portugal foi Albano Silva, diretor do Centro de Artes Visuais, consequência dos Encontros de Fotografia de Coimbra, a primeira coleção pública nesta área. Para ele, "a dimensão do colecionismo português de fotografia é proporcional à dimensão do país e da sua economia".
Mesmo assim, diz, Portugal não escapa à tendência de que "só os fotógrafos com determinada estética são incorporados pelo circuito das galerias de arte". E o preço da obra e a sua valorização acabam por ser fortemente afetados por esta avaliação.

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